Autora: Tamar Rabelo de Castro
As práticas pedagógicas, que norteiam o ensino da língua materna no Brasil, têm se tornado alvo de questionamentos em vários níveis: do ponto de vista do aluno que acredita que nunca será capaz de aprender a Língua Portuguesa, assim com maiúscula mesmo, indicando que é algo superior e inacessível; de outro lado os professores que se angustiam com o eterno problema de escrita e uso da língua padrão; por um terceiro lado, existem os gramaticistas determinando que é necessário ensinar o uso correto dos termos gramaticais; e ainda um quarto lado, os lingüistas com suas novas teorias, abordando a língua de uma forma variável e viva.
O maior problema é que o aluno é quem mais sofre com essa torre de babel teórica, e nós, professores, devemos levar em consideração que realmente existem inúmeras variantes da língua contribuindo para aumentar a dificuldade de apropriação da norma padrão da língua portuguesa. E é nesse momento que devemos levar em conta alguns fatores sociais importantes.
A sociedade globalizada e multimidiática tem exigido de seus cidadãos novas competências para a inserção social, pois está imersa em um mundo de signos, sendo necessário ler, decodificar e interpretar informações sígnicas cada vez mais complexas. Nessa etapa da evolução social e tecnológica, novas demandas surgem, novos níveis de capacitação são necessários para a verdadeira interação social.
Na esteira dessas novas demandas, surge a necessidade de se criar novas metodologias para o ensino de língua materna, tal necessidade não é privilégio de países subdesenvolvidos, pois países como os Estados Unidos e outros da Europa, vêm questionando as metas de educação em linguagem que se deve atingir.
Se fizermos uma retrospectiva histórica, lembrar-nos-emos de um tempo em que a grande massa da população mundial era analfabeta, apenas uma pequena parte da Aristocracia, e posteriormente da Burguesia era considerada letrada, pois era detentora do universo sígnico.
No entanto, a democratização do ensino trouxe uma nova demanda social, pois se todos têm acesso ao mundo das letras, há a possibilidade de se ampliar a rede de comunicações, consequentemente explorar novos usos da língua, tornando o processo comunicativo mais dinâmico e rico. Assim, a escola precisa cumprir o papel de inserir seus alunos no universo de letramento adequado às novas necessidades sociais.
O termo letramento foi criado na língua portuguesa a partir da década de 50, como uma derivação do vocábulo “letrado”, uma vez que as pessoas que tinham formação acadêmica eram consideradas letradas, enquanto as pessoas que não estavam inseridas no universo acadêmico/científico, eram consideradas iletradas, mesmo que possuíssem algum nível de alfabetização mais elementar.
Segundo Magda Soares (2006, p 32-34), “A palavra letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito recentemente na língua portuguesa”, pois somente “a partir dos anos 80, começamos a precisar dessa palavra”, isso em conseqüência do fato de que as novas práticas sociais exigem uma habilidade de leitura mais ampla do que aquela que é oferecida pelo simples processo de alfabetização.
Ao ser alfabetizado, o indivíduo se torna apto à decodificar os signos, mas isso não lhe garante o uso competente da leitura e da escrita. Nesse contexto, a palavra letramento assume um sentido mais amplo, daí a necessidade da distinção entre alfabetização e letramento. Vejamos a distinção feita por Soares (2006, p. 36-37):
Essas palavras são importantes para que se compreendam as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado; o pressuposto é que quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, ao envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição. Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural – não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar o seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura – sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente.
Dessa forma, há uma diferença significativa entre os vocábulos alfabetização e letramento, daí a utilização da definição encontrada na obra de Soares (2006, p. 47):
Alfabetização: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever
Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva* e exerce* as práticas sociais que usam a escrita.
*Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita
Exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita
Partindo dessa nova premissa, cabem alguns questionamentos, os quais nortearão o debate a respeito da prática de ensino da língua materna, cabendo ressaltar que não há receitas, nem fórmulas mágicas, mas uma discussão teórica que ancora um fazer pedagógico capaz de modificar a postura do falante em relação à sua língua.
· Quando se pode dizer que uma criança ou adulto estão alfabetizados? Quando se pode dizer que estão letrados?
· O que significa alfabetizar?
· O que significa letrar?
· Quais as diferenças entre alfabetizar e letrar?
· Como alfabetizar letrando?
· Quais as conseqüências de tudo isso para a escola?
· Quais são as condições para que o aprender a ler e a escrever seja algo que realmente tenha sentido, uso e função para as pessoas?
(questionamentos retiradas do Livro: Letramento de Magda Soares)
Referência:
SOARES, Magda. Letramento – um tema em três gêneros. 2ªed. Autêntica. Belo Horizonte, 2006